#2 Lendo o Mundo: Canadá — O Conto da Aia, de Margaret Atwood.
O segundo país que visitei, há mais ou menos um ano atrás, foi o Canadá (por sinal desculpa a demora, mas sou relapsa com blogs). Antes de falar do livro, por que ler e detalhes interessantes, quero dizer que a minha escolha pela Margaret foi devido há duas coisas:
- Em 2017, a adaptação do Conto da Aia em uma série de televisão, pela emissora Hulu, ganhou o mundo e fez uma galera ler o livro da Atwood, ficando nos mais vendidos da Amazon por alguns meses.
- Eu amo ficção científica e é realmente difícil de achar sci-fi escrito por mulheres que ganharam tanta relevância.
Enfim, se ainda não teve contato com algum post da série em suas redes sociais, estava em Marte ou num isolamento social tão grande que deixou de usar a internet, vou fazer uma breve apresentação do livro.
O Livro:
O Conto da Aia, publicado em 1985, narra uma distopia “futurista” (enfase nessas aspas aqui pessoal!!!) na qual a humanidade se torna ameaçadoramente infértil e as mulheres que ainda podem ficar grávidas são separadas da população para servirem como aias, cujo objetivo é apenas gerarem filhos para os poderosos e as elites.
O livro se passa na República de Gilead, cenários inspirado em Cambridge, Massachuts, e na sociedade puritana da Nova Inglaterra. É nessa comunidade que, apesar de alguns limites severos à sua liberdade, Offred (of = de, Fred = nome do comandante em que esta na casa), a narradora, luta para manter sua identidade através da interpolação de um passado livre e cenas do presente opressor.
Na patriarcal República de Gilead, as mulheres não podem ter dinheiro, não podem trabalhar “fora” e são proibidas de ler e escrever. Não tem mais controle de seus corpos ou de seus direitos civis. São separadas em classes, assim como os homens, mas diferente deles, não mudam de classe para que foram designadas. As classes femininas são associadas as funções que podem desempenhar para um homem (e a sociedade), sendo elas:
- Aias (vestidas de vermelho): Mulheres férteis encarregadas de dar à luz os comandantes e o estado.
- Esposas (vestidas de azul): casado com comandantes e encarregadas de cuidar da casa. Muitas são inférteis e recebem aias.
- Marthas (vestidas de verde): Mulheres inférteis e solteiras que são servas.
- Econoesposa (vestidas de listrado verde, azul e vermelho): casadas não estéreis que cuidam das famílias de seus maridos pobres, desempenhando as 3 principais funções femininas da sociedade.
Cada classe possuí uma cor específica, usada apenas para diferenciar as mulheres de função diferente. Há outras “classes”, como as Tias (vestidas de marrom) e Filhas (vestidas de branco). Porém as roupas são semelhantes para todas de cada classe, tirando a identidade dessas mulheres a partir da padronização.
Enfim, é como se os EUA tivessem virado uma teocracia patriarcal onde as mulheres devem servir a um propósito específico baseado em fanatismo religioso. Há uma normatização tão grande desse cenário que causa uma passividade na população, principalmente nas mulheres, que são incapazes de se unirem para uma rebelião. Por sinal, qualquer ato de traição nesse governo é severamente punido.
A autora:
Nascido em Ottawa, Canadá, em 1939, Margaret Atwood é romancista, poeta, escritora de roteiros e livros premiados. Graduou-se em 1961 em Bacharelado em Artes e Inglês (com honras) em Toronto.
Após se formar, Atwood mudou-se para os Estados Unidos para cursar pós-graduação, frequentando o Radcliffe College e a Harvard University em Cambridge, Massachusetts. Esta cidade e a Universidade de Harvard inspiraram a paisagem de The Handmaid’s Tale.
Detalhes sobre o livro:
- O livro não fala sobre ódio aos homens: Diferente do que pode-se esperar, a história não é feita para causar “raiva” dos homens dessa sociedade. O problema, como até é apontando pela personagem em alguns trechos, é o sistema inteiro, que só foi possível ser implementado por causa de uma alienação da sociedade para os problemas que colapsaram o país e a incorporação de alguns elementos de sistemas anteriores. Uma prova disso, é a utilização de trechos bíblicos (um elemento que já estava presente na sociedade) para justificar ações desse novo sistema.
- A protagonista: Outro detalhe interessante da leitura é a ideia da protagonista. Diferente do herói ideal, ela tem medo, insegurança, questiona, mas fica acuada enquanto as coisas vão acontecendo com ela. É uma pessoa comum. Diferente das que acreditam fielmente no sistema, porém acomodada demais para se rebelar. Reagindo somente a momentos cruciais. O que é mais ou menos a maioria das pessoas da nossa sociedade. Um heroísmo da vida real.
- Uma história ainda atual: o livro é uma extrapolação do que estava acontecendo no mundo na época da escrita. Um evento citado pela autora, mas não o único, foi a Revolução Islâmica. Porém, depois de mais de 30 anos da primeira publicação, a obra continua sendo bastante atual, podendo estabelecer vários paralelos com ações que tem sido tomadas em vários governos (inclusive, no governo brasileiro).
Razões para ler (caso ainda não tenha sido convencido):
- Conhecer a ideia original e possibilidade de novas interpretações: Se você já assistiu a série, não tem problema, ainda é uma experiência bastante interessante ler, principalmente por ser algo que vai estimular a imaginação. Conhecer a história que deu origem as adaptações pode esclarecer alguns pontos que não foram bem trabalhados ou dar chance a novas interpretações além das feitas pelos produtores da série. Isso vale também para o filme homônimo de 1990.
- Prêmios que a obra recebeu: Fora principalmente dois prêmios: Governor General’s Award, prêmio canadense que ganhou em 1985 e Arthur C. Clarke Award, conceituado prêmio de ficção científica britânico que ganhou em 1987. Também esta na lista dos 1.001 livros para ler antes de morrer. O que pelo menos mostra a relevância dessa obra, mundialmente falando, além dos aspectos atemporais e universais da narrativa.
- Crítica em torno da obra e as repercussões: A obra foi bastante aceita pela crítica e ajudou a consolidar mundialmente a autora. Foi também usada como tema de intensos debates, dentro e fora da academia, para validar a possibilidade de ocorrer a extrapolação criada pela autora. Como muitos estudos defenderam essa possibilidade de ocorrer, sugiro que leiam para estarem atentos aos sinais. Ler e refletir em tempo de caos e fake news, não só nos prepara para armadilhas do futuro como também combate ideias de governos totalitários.
Por fim, materiais relacionados com a obra que valem a pena ser consumidos:
- TCC: A representação da mulher em O Conto da Aia: a influência da cultura patriarcal na percepção da mulher, da Paula Bastos de Lima. Achei bastante interessante porque ele defini a obra como ficção científica e aponta as características definidoras do gênero.
- Texto: O Conto da Aia não é mais só uma ficção, escrito pela Lady Sybylla. É um texto bem curtinho, mas muito interessante apontando fatos do livro que se assemelham muito com a realidade. Vale a pena ler para ficar levemente incomodad@ (E de preferência, dispost@ a não deixar que essa distopia se instale).
- Resenha: O CONTO DA AIA, DE MARGARET ATWOOD (#167) do canal do YouTube Ler antes de Morrer, da Isabella Lubrano. Gosto muito do material ela faz, trazendo mais coisas extras do que apenas a opinião crítica dela sobre o livro. Aqui ela retoma uns pontos interessantes, que fala das inspirações da autora e associa com outros clássicos como 1984, do George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.
- Análise: Uma análise literária de The Handmaid’s Tale de Margaret Atwood, por Hanna Shreffler. Essa análise apresenta algumas teses sobre os principais temas tratados no livro.
Esse é o segundo post de uma tentativa insistente de ler o mundo, se quiser conhecer o primeiro, é só ir no link abaixo: